sexta-feira, 3 de julho de 2015

Ao Corpo de um Defunto Morto

     Comecei a perguntar às pessoas como poderíamos saber, com certeza, se estávamos vivos ou mortos. As reações foram diversas, uns levavam na brincadeira, outros - a maioria - ficavam assustados e pediam, educadamente, que eu mudasse de assunto. Mas eu estava, naquela época, de fato, vorazmente interessado no assunto. 

     Meu amigo e colega Toninho disse-me que não era possível. O Toninho tinha uma expressão para situações em que algo estranho era descrito, que é a palavra que ele usou para descrever o meu interesse:
     
     - Bizarro!

     Confesso tê-lo plagiado em outras ocasiões em que me apropriei dessa locução e a usei impiedosamente, mas acho que o Toninho me perdoará. O que eu pedi ao Toninho, naquele dia, foi um algoritmo capaz de determinar, para quem o seguisse, o discernimento quanto a sua própria situação de vida - ou de morte.

O Toninho era meu colega da Informática, então não foi preciso explicar para ele o que era "algoritmo". Mas as outras pessoas a quem eu recorria, eu tinha de fazer um preâmbulo explicativo e monótono:

     - Algoritmo é uma sequência finita de passos que permite resolver um problema em um tempo finito. Ou quase isso.

     A questão da finitude é, casualmente, curiosa: se eu estiver morto, acredito que a questão de "tempo" não seja tão importante.

     Mas, informalmente, quando temos de explicar o que é algoritmo, 99 a cada 100 programadores dirá:

     - "Ah! É uma sequência de instruções, que nem uma receita de bolo..." 

     Para a maioria das pessoas, perguntar por uma sequência de passos que me façam saber se eu estou vivo é torturante, angustiante. Poucos levam o questionamento para o lado lúdico. A morte não é assunto a ser discutido. Muitos exigem de mim, mostrando perplexidade, a razão do meu interesse. Então eu conto:

     - Assisti a um filme em que o personagem principal conversava com um menino, mas estava morto e não sabia...

     Não vou dizer o nome do filme - tive uma namorada que me deixou traumatizado porque um dia revelei, antes dela assistir, que no filme "As Virgens Suicidas" elas, as virgens, se matavam. Então, para me proteger de qualquer acusação futura, ao invés de esconder o enredo dado o título da obra, estou criando uma nova forma de anti-spoiler: conto o final, mas não digo o nome do filme.

     Hoje em dia, após sucessos de seriados com Zumbis e de mortos perdidos numa ilha, mas que não sabem que já morreram (não, não vou dizer o nome da série), acho que não haveria tanta perplexidade, medo ou recusa a minha indagação original: "como saber se estou morto" (posso imaginar o Toninho dizer: - Bizarro!)

     De qualquer forma, o problema já foi resolvido. Diante da minha necessidade de enfrentar o nosso bom serviço público, de obter de nossos servidores papéis, certidões e outros documentos burocráticos, veio a mim hoje, mais de uma década depois, a solução ao meu problema proposto. Descobri como, de forma inequívoca, determinar se estou vivo ou morto. A solução é simples! Basta ir ao cartório onde você, se estivesse morto, teria um registro de óbito. Peça a cópia da certidão de óbito em seu próprio nome: se lhe derem... Meus pêsames!

     Bizarro?


(meus textos para teatro e stand-up estão em: www.euquefiz.com - victor@euquefiz.com)
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